PROJETO “MORE LEGAL”
(atualizado pelo Provimento nº 28/04 – CGJ/RS)
1. Introdução
A Propriedade é, histórica e fatidicamente, um dos direitos mais fortes e tutelados pela sociedade humana. de certo modo, ampara-se a propriedade quase tanto como a vida, quando lhe oportuniza o exercício da reivindicatória, que é a legítima defesa exercida pelo proprietário contra todos aqueles que violam ou atentam contra seu direito.
Ainda, o direito de propriedade no Brasil é reconhecido em âmbito constitucional, a exemplo do artigo 5º, inciso XXII, estabelecendo que é garantido o direito de propriedade (propriedade formal, registrada). Também, o inciso XXIII prevê que a propriedade atenderá a sua função social.
Com a evolução da sociedade e de suas relações, foram gerados sistemas para regular o direito de propriedade e, com isso, criou-se o que se chama de propriedade regular. Esta, advém do registro de um título hábil na Serventia Registral Imobiliária da situação do imóvel e confere ao proprietário os mais amplos poderes (usar, fruir e dispor) sobre a coisa, oponível erga omnes.
Em decorrência do êxodo rural, iniciado no Brasil na década de 60, originou-se o que conhecemos por propriedade informal, cujo caráter nega ao seu titular um título causal que lhe assegure direitos, mitigando as garantias e prerrogativas decorrentes do domínio regular. Portanto, nega-se o direito à hipoteca, como forma de conseguir meios para atribuir um melhoramento na coisa, a exemplo de uma construção. Apresenta como mecanismo de defesa, tão-somente, as ações possessórias.
Como se vê, a propriedade informal é aquela originária dos loteamentos ilícitos, que se dividem em clandestinos e irregulares. Conforme lição de Francisco Eduardo Loureiro, em seu trabalho intitulado “Loteamentos Clandestinos: Prevenção e Repressão”, onde conceitua os loteamentos irregulares como ”aqueles que, embora aprovados pela Prefeitura e demais órgãos Estaduais e Federais, quando necessário, fisicamente não são executados, ou são executados em descompasso com a legislação ou com atos de aprovação. Por sua vez, os loteamentos clandestinos são aqueles que não obtiveram a aprovação ou autorização administrativa dos órgãos competentes, incluídos aí não só a Prefeitura, como também entes Estaduais e Federais, quando necessário”.
Ainda, o mesmo autor ensina que “os loteamentos irregulares podem estar, ou não registrados. Às vezes, encontram-se formalmente perfeitos, porque contêm nos respectivos processos todos os documentos e autorizações necessárias ao parcelamento. Fisicamente, porém, as obras previstas podem não ter sido executadas, ou executadas em desacordo com o próprio projeto, ou em ofensa a outras normas cogentes correlatas ao parcelamento. Via de regra, se pode falar em graduação dos vícios que maculam o parcelamento do solo. O loteamento clandestino, assim, padeceria de vícios mais graves do que o loteamento meramente irregular. Faltam ao primeiro não só o registro, ou a implantação de acordo com as normas de regência, mas a própria aprovação urbanística. Muitas vezes, porém, a irregularidade fática não guarda exata simetria com a irregularidade jurídica. Pode perfeitamente ocorrer do loteamento clandestino ser passível de regularização, ao contrário do loteamento meramente irregular. No clandestino podem estar respeitadas, fisicamente, as normas de caráter urbanístico, enquanto que no irregular, pode ser implantado em total desacordo com o projeto e com o registro, estando, assim, ferindo abruptamente a lei”.
Tudo isso devido à previsão legal que constava da Lei nº 6.766/79, alterada pela Lei nº 9.785/9
9, que pouco contribuía para a regularização de loteamentos, uma vez que exigia a destinação de 35% da área loteada ao Poder Público municipal, inviabilizando, principalmente, os parcelamentos destinados a populações de baixa renda pelo encarecimento dos lotes. Hoje, a nova redação do artigo 4º, da Lei nº 6.766/79, acabou com a rigidez anteriormente prevista, quando estabelece que a legislação municipal fixará a proporção de áreas destinadas a sistemas de circulação, equipamentos urbanos e comunitários e espaços livres de uso público, para cada zona em onde se situem.
Nestes casos, observa-se como característica fundamental, a irreversibilidade. A maioria destes loteamentos apresentam situações fáticas consolidadas, as quais não podem ficar desamparadas, pelo caráter social que o inciso XXIII, do artigo 5º, da CF apresenta, ao determinar que a propriedade atenderá sua função social.
Entende-se por situação consolidada aquela em que o prazo de ocupação da área, a natureza das edificações existentes, a localização das vias de circulação ou comunicação, os equipamentos públicos disponíveis, urbanos ou comunitários, dentre outras situações peculiares, indique a irreversibilidade da posse titulada que induza ao domínio (§ 1º, do art. 2º, do Provimento nº 28/04 – More Legal 3, da Egrégia Corregedoria-Geral da Justiça do Estado).
Hodiernamente, estão merecendo toda a atenção do Estado, através de seus Entes Públicos, União Federal, Estados Federados e Municípios, por seus Poderes, para inserí-los sob o palio da lei, passando a gerar efeitos no Universo Jurídico.
Para que ocorra a regularização, necessariamente, a propriedade informal deverá transmutar, ingressando nos Registros Públicos e tornando-se regular, atribuindo direitos e garantias aos possuidores, agora proprietários ou titulares de direitos reais.
Assim, os requisitos urbanísticos e exigências fiscais não seriam motivos impeditivos a permitir o acesso ao registro imobiliário para os terrenos que apresentassem a característica de situação jurídica consolidada, cuja posse, com início de prova escrita vinda do proprietário, fosse inatacável.
Portanto, com base nos preceitos constitucionais que consagraram o direito de propriedade, cujo interesse visa atender o interesse social, principalmente em relação àqueles menos afortunados que possuem imóveis em situações irregulares e irreversíveis, é que o Poder Judiciário do Estado Rio Grande do Sul, através da Corregedoria-Geral da Justiça, instituiu um plano emergencial, cuja estratégia objetivou a regularização das propriedades informais, dispensando exigências outras, que não a documentação relativa à boa origem do imóvel e simplificando o procedimento judicial.
Trata-se do Projeto “ More Legal ”, que é um tema não tão recente, embora pouco conhecido e utilizado, de suma importância para toda a comunidade gaúcha. Primeiramente, pelo propósito de implementar a regularização fundiária de inúmeras áreas que se encontram na clandestinidade jurídica e, também, pela originalidade do tema, eis que serviu de paradigma para os demais Estados da Federação, inclusive estabelecendo diretrizes para a promulgação da Lei nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999.
2. Histórico
Este projeto foi idealizado pelo brilhante Desembargador Décio Antonio Erpen, quando Corregedor-Geral da Justiça, e consolidado através dos Provimentos nº 39/95-CGJ e nº 1/98-CGJ. Posteriormente, sofreu alterações decorrentes da publicação dos Provimentos nº 17/99-CGJ e nº 28/04-CGJ, que instituíram o “More Legal 2 e
3. Finalidade
Como se sabe, a via principal de regularização de imóveis urbanos é a Lei nº 6.766/79 (alterada pela Lei nº 9.785/99) e pelas Leis Federais nos 10.257/01 e 10.931/04. Todavia, outros caminhos podem ser adotados para alcançar o fim colimado, seja por meio de decisões judiciais nas ações de usucapião, de adjudicação compulsória, de divisão e extinção de condomínio, ou através do “More Legal”.
Desta forma, verifica-se que o Projeto “More Legal” tem por escopo solucionar um problema social, acabando ou reduzindo o número de propriedades informais, atribuindo um título dominial ao possuidor do terreno, através da regularização do solo urbano pelo registro de loteamento, desmembramento, ou fracionamento ou desdobro de imóveis urbanos ou urbanizados, ainda que localizados em zona rural, que apresentam situações de posses consolidadas e irreversíveis.
4. Fundamento Legal:
Inicialmente, contávamos com o provimento nº 39/95-CGJ/RS, reproduzido na Consolidação Normativa Notarial e Registral, Provimento nº 01/98-CGJ/RS, em seus artigos 532 e seguintes, onde encontramos as situações fáticas que podem ser regularizados pelo projeto. Posteriormente, a matéria foi disciplinada pelo Provimento nº 17/99-CGJ/RS, de 11 de outubro de 1999. Hoje, o tema está regulamentado pelo Provimento nº 28/04, de 28 de outubro de 2004.
Não é qualquer parcelamento que se enquadra nas hipóteses de regularização, pois há de se ter uma situação de ocupação plena dos lotes, com posse assentada e já consolidada. Em outras palavras, serve para consolidar o que já é irreversível.
5. Formas de Regularização:
5.1. pelo Loteador/Proprietário
Poderá ocorrer após a notificação prevista no artigo 38 da Lei 6.766/79, quando notificado para cumprir sua obrigação de regularizar o empreendimento. É difícil que isso ocorra, mas não podemos desprezar tal hipótese.
5.2. pela Municipalidade
A Lei 6.766/79, em seu artigo 40, estabelece que “a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes”.
Neste sentido, verifica-se que compete ao Município o direito/dever de proceder a regularização do empreendimento quando o loteador, regularmente notificado, não o faça. Assim, é à Municipalidade que a lei confere poderes para requerer a regularização.
5.3. Por terceiros interessados
Todavia, como se sabe, muitas vezes a própria Prefeitura não age. Desta forma, entende-se ser possível a notificação da mesma, juntame
nte com o loteador, a fim de constituí-los em mora pela não regularização. Constituir em mora o Município parece-nos necessário porque é a ele que a lei confere poderes e a obrigação de assumir o processo, podendo e devendo buscar a reparação dos custos pela execução mediante o loteador faltoso. Portanto, quando o Município for regularmente notificado e permanecer inativo, entende-se que a legitimidade para a postular a regularização pelo “More Legal” será transferida a terceiros interessados, tais como: promitentes compradores, possuidores e detentores de títulos precários.
6. Processo de Regularização
Primeiramente, informa-se que uma das novidades no procedimento do “More Legal
O ato de registro da regularização será feito na matrícula do imóvel. Se a gleba for formada por diversas aquisições constantes de várias matrículas, deverá haver prévia unificação com abertura de matrícula única. Se a área regularizada fizer parte de uma área maior, faz-se mister que se realize prévio desdobro, com abertura de matrícula própria para a área objeto da regularização. Tais procedimentos preliminares (unificação ou desdobro) e até possível retificação de área, poderão ser realizados concomitantemente no mesmo processo.
Uma vez registrada a regularização, o Oficial deverá providenciar na abertura de matrículas individuais para cada lote, conforme determina o artigo 540 da Consolidação Normativa Notarial e Registral. a existência de ônus ou gravames de qualquer natureza incidentes sobre a gleba deve ser transportada, por averbação, para cada matrícula individual de cada lote, e seguidos todos os demais regramentos sobre cautelas e técnicas registrais.
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