AS ASSOCIAçõES e AS FUNDAçõES NO NOVO CóDIGO CIVIL
A Lei nº 10.406/02 (Novo Código Civil) trouxe sensíveis alterações nas normas relativas às associações e às fundações de direito privado. As relacionadas com as Associações encontram-se previstas nos artigos 53 ao 60 e as atinentes às Fundações constam dos artigos 62 ao 69.
Referentemente às Associações, é de se frizar que as mesmas se apresentam como a “união de pessoas que se organizam para fins não econômicos” (art. 53). Assim, verifica-se que são requisitos imprescindíveis a pluralidade de sujeitos (pessoas físicas ou jurídicas) e um propósito comum de caráter assistencial, caritativo ou filantrópico, que não vise lucro, pois, se este for da essência da pessoa jurídica, esta obedecerá às regras do capítulo que trata do direito da empresa e deverá se enquadrar entre qualquer dos tipos de sociedade (personificada ou não personificada).
Observa-se do texto legal, a inserção de um dispositivo sem precedentes na legislação revogada. Diz respeito ao artigo 54, que previu, sob pena de nulidade, novos requisitos que deverão constar do Estatuto de uma Associação. Além de outros anteriormente previstos, o NCC exige que haja previsão de requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados; os direitos e deveres destes; e, as fontes de recursos para a sua manutenção.
Dentre as principais novidades, o artigo 55 prevê como regra os direitos iguais entre os associados, salvo exceção prevista no Estatuto. O artigo 56 estabelece a possibilidade de transmissão da qualidade de associado, bem como a norma de que a transferência de quota da sociedade não importa na atribuição de associado ao adquirente, quando este não preencher os requisitos de admissão. Logo, poderá haver a situação de uma pessoa ser titular de quota (patrimonial) da associação, mas não ser associado. Observa-se que é possível que isto ocorra, mas não necessário (diferença das Sociedades), porque não é requisito essencial do Estatuto que constem estas disposições.
Tem-se discutido no meio jurídico os poderes estatutários para admitir ou não determinadas categorias ou espécies de associados. Num primeiro momento, percebe-se que o legislador reconheceu uma determinada parcela de arbítrio à Associação para criar limites ao ingresso de associados. Todavia, indaga-se até que ponto o Estatuto não irá contrariar o princípio de igualdade previsto na Constituição Federal? Qual a amplitude que o Estatuto pode prever quando estabelece os requisitos de admissão dos associados? Por exemplo, no caso de uma associação estabelecer que será composta somente por pessoas do sexo feminino, ou de determinada religião, ou cor, estará ou não sendo atacado o direito constitucional acima indicado?
é relevante mencionar, ainda, a importância do parágrafo único do artigo 59, que prevê tanto para a destituição de administradores, quanto para a alteração do estatuto, a realização de uma assembléia geral, na qual o quórum para instalação, em primeira convocação, será constituído pela maioria absoluta dos associados e, para as demais convocações, com um terço ou mais dos associados. Outrossim, para deliberação, é mister o voto concorde de dois terços dos presentes à assembléia.
Diante destas exigências, verifica-se que haverá uma enorme dificuldade para instalação e deliberação de associações composta por um número grande de associados, pois exigirá cadastros sempre atualizados, instalações adequadas para a reunião e, principalmente, consenso geral para que a associação de grande porte possa ser administrável.
Já no que se refere às Fundações, cabe esclarecer que agora as mesmas somente poderão se destinar para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. Anteriormente, não havia regra limitativa quanto à finalidade de uma Fundação (art. 62).
Também, por força da lei, quando o patrimônio para a constituição for insuficiente para o atendimento de suas finalidades, os bens a ela destinados serão incorporados aos de outra Fundação com fins iguais ou semelhantes (art. 63). Antes, sendo insuficientes os bens destinados, os mesmos eram convertidos em títulos da dívida pública até que, aumentados (ou não), atribuíssem a capacidade de manutenção e de geração de recursos próprios.
Ainda, uma vez constituída a Fundação (escritura pública ou testamento), fica o instituidor obrigado a transferir os bens dotados a mesma. Se não o fizer, será transferida a propriedade por mandado judicial (art. 64). No CC de 16 não havia previsão similar.
Pelo artigo 65 do Código Bevilacqua, “aqueles a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio, em tendo ciência do encargo, formularão logo, de acordo com as suas bases (art. 62), o estatuto da fundação projetada, submetendo-o, em seguida, à aprovação da autoridade competente, com recurso ao juiz”. Analisando o dispositivo, verificava-se que a expressão “formularão logo” era vaga e gerava interpretações diversas. Agora, o NCC previu que a destinação do patrimônio deverá ser feita no prazo previsto pelo instituidor e, em não havendo prazo, dentro de cento e oitenta (180) dias. Assim, se a pessoa designada pelo instituidor não a fizer, a competência passará à autoridade competente – o Ministério Público Estadual.
Por oportuno, é relevante a menção quanto a mudança do quorum previsto para alteração do Estatuto. Antes do NCC, exigia-se a maioria absoluta dos membros competentes para gerir e representar a Fundação. Agora, é mister que a deliberação seja aprovada por dois terços dos sujeitos competentes (art. 67, I). Alerta-se para o fato de que é vedada a alteração que contrarie ou desvirtue o fim estipulado pelo instituidor. Mantém-se a exigência de aprovação das reformas pelo Ministério Público.
Ainda, face a Lei nº 10.406/02, a minoria vencida na deliberação de alteração do Estatuto terá o prazo de dez dias para impugná-la, quando antes tinha o prazo de um (1) ano (art. 68).
Ressalta-se que o artigo 2.031 do Novo Código Civil estabeleceu o prazo de um (1) ano para as associações, fundações e sociedades se adaptarem às novas disposições legais, embora o novo ordenamento não tenha exigido novos requisitos que devam integrar o Estatuto das Fundações, diferentemente das associações, para as quais o legislador previu como elementos indispensáveis a forma de admissão, demissão e exclusão dos associados, os seus direitos e deveres, bem como as fontes de recursos para a manutenção da associação (art. 54, II, III e IV). Contudo, conjugando o artigo 2.031 com o artigo 2.032, percebe-se um certo conflito, gerando a incerteza sobre a obrigatoriedade ou não de adaptação das Fundações constituídas sob a égide do antigo Código à norma do parágrafo único, do artigo 62, prescrevendo que “a fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência”. Ainda, para a realização do Estatuto (Associações e Fundações) deverão ser observadas as formalidades previstas no artigo 120 da Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos).
Outros pont
os importantes previstos nas disposições gerais e, portanto, aplicável às Associações e às Fundações, são a responsabilização patrimonial (art. 50) dos administradores e dos sócios quando houver abuso da personalidade jurídica, que se caracterizará pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial; e, a proteção dos direitos da personalidade (art. 52) reconhecidos às pessoas jurídicas, tais como o direito ao nome, à imagem, à privacidade etc.
Ressalta-se, finalmente, que começa a existência legal das Associações e das Fundações de direito privado com o registro do ato constitutivo no Ofício do Registro Civil das Pessoas Jurídicas (art. 45) e que todas as alterações deverão ser averbadas no registro realizado.
Sendo estas algumas breves considerações sobre o assunto, as quais são submetidas à apreciação dos participantes do painel “A Legislação do Terceiro Setor: segurança e fortalecimento ou desconhecimento e desagregação? que será exposto e debatido no V Encontro Internacional de Fundações – Terceiro Setor e no VI Encontro de Fundações do Mercosul, para críticas e sugestões.
João Pedro Lamana Paiva
Registrador