AS SOCIEDADES SIMPLES DO NOVO CóDIGO CIVIL
Em virtude da entrada em vigor da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Novo Código Civil, alterações relevantes sobrevieram no que concerne ao registro das sociedades simples no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.
Considerando o disposto no artigo 966, que conceitua o empresário como aquele que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” (grifo nosso), como por exemplo o comerciante individual, e procedendo-se a uma interpretação restrita, pode-se concluir que a prestação de serviços passaria a ser considerada uma atividade empresarial e, assim, afeta ao Registro Público de Empresas Mercantis, por força do artigo 1.150.
Outrossim, s.m.j, esta não é a melhor interpretação a ser feita do referido dispositivo, eis que muito reservada e desconforme com outros artigos de lei, em especial os artigos 983 e 1.150, última parte.
Na vigência do vetusto Código Civil, o critério adotado para verificar em qual órgão a sociedade deveria registrar seus atos constitutivos era em razão da realização ou não de atos de comércio. Realizando a produção e/ou a circulação (compra e venda) de produtos, a sociedade deveria ser registrada na Junta Comercial para adquirir personalidade jurídica (a sociedade torna-se personificada através do registro). Porém, se a sociedade não realizasse atos de comércio, mas sim, prestasse serviços sem o fornecimento de material e produtos, isto é, somente mão-de-obra, o órgão competente para o registro seria o Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Tais características eram inferidas da análise dos contratos sociais das sociedades.
Agora, com a entrada em vigor do Novo Código Civil, foi consagrada a teoria da empresa e, conseqüentemente, foi rompido o critério anteriormente estabelecido, cabendo à doutrina e à jurisprudência definirem precisamente outros critérios para diferenciar a sociedade empresária da simples.
Procedendo-se a uma interpretação mais ampla, para concluir se uma sociedade é simples ou empresária, dever-se-á investigar sua forma de organização, o montante do aporte de capital social, a quantidade de sócios, de empregados, de recursos para suas instalações e para o funcionamento da atividade e a relevância da participação pessoal dos sócios. Embora ainda não se tenha um critério objetivo, relevante será verificar o grau de complexidade do negócio, considerando simples aquela que haja a prestação de serviço pelo próprio sócio e com o aporte de recursos razoáveis para o funcionamento da sociedade.
Segundo a lição do colega Graciano Pinheiro de Siqueira, sociedades simples são “aquelas cuja atuação individualizada dos sócios, para a realização de seu objetivo social, supere a organização dos fatores de produção”.
Citando exemplos do eminente comercialista, Fábio Ulhoa Coelho, temos por sociedade simples aquela em que dois médicos se unem para clinicar, dividindo, assim, os custos gerados pela prestação das consultas. Note-se que o exemplo acima está intimamente ligado com a exceção prevista no parágrafo único, do artigo 966, do Novo Código Civil, ao estabelecer que “não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”. O exemplo mencionado acima, aplica-se também para engenheiros, arquitetos, contadores etc.
Aproveitando o exemplo, considerar-se-á sociedade empresária aquela formada por médicos na direção de seu próprio hospital, contando com pronto-socorro, laboratório, radiologia e empregando outros médicos, enfermeiras, atendentes etc. (exemplo do autor supra citado), visando lucro como característica empresarial. Percebe-se que, neste caso, a complexidade do negócio é evidente e exige um grau maior de organização para o desenvolvimento da sociedade, caracterizando uma sociedade empresária.
Portanto, depreende-se que, de certa forma, houve a mudança de nomenclatura de sociedade comercial para sociedade empresária e de sociedade civil para sociedade simples.
Finalizando, constata-se que a partir de 11 de janeiro de 2003, cada caso deverá ser analisado sob uma nova ótica, pelos critérios acima especificados, especialmente quanto à complexidade de cada sociedade e quanto a participação direta do sócio no desenvolvimento das atividades, o que definirá se uma sociedade será simples ou empresária, e, conseqüentemente, qual o órgão correspondente para que se proceda ao registro dos atos constitutivos, se no Registro Civil das Pessoas Jurídicas ou na Junta Comercial.
João Pedro Lamana Paiva Tiago Machado Burtet
Registrador Registrador Substituto